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Normas de acessibilidade na construção civil: entrevista com Regina Cohen e Cristiane Rose Duarte, do núcleo Pró-Acesso, da UFRJ

Entrou em vigor em 2016 a nova lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência. Para acompanhá-la, foram atualizadas no ano passado as normas técnicas 9050 da ABNT, de 2004, as normas de acessibilidade na construção civil, que tratam das edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos.

Foram muitas as alterações em relação ao texto original. A nova norma institui, por exemplo, o princípio dos dois sentidos: a informação deve ser transmitida de modo visual e tátil ou visual e sonoro. Além disso, prevê que as rotas acessíveis a edificações e equipamento urbanos devem se estender a todas as entradas – ou, se comprovado tecnicamente, pelo menos ao maior número de acessos. Antes, apenas uma rota acessível já bastava.

normas de acessibilidade na construção civil
Foto: Marc A. Hermann

Implantação de piso tátil

Implantação de piso tátil

Elevador de escada

Para conhecer em detalhes o que muda nas normas de acessibilidade na construção civil, consulte esta lista preparada pelo engenheiro civil Paulo Cesar dos Santos Figueiredo.

De modo geral, o que se vê no Brasil é a grande distância entre o que está na lei e o que ocorre na prática. Para as professoras Regina Cohen e Cristiane Rose Duarte, do núcleo Pró-Acesso, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é necessário implementar uma mudança profunda de mentalidade não só na construção civil, mas em toda a sociedade brasileira.

A boa notícia é que os custos são praticamente nulos para as empresas que decidem seguir as normas de acessibilidade na construção civil. “A estimativa é de que haja um acréscimo de apenas 1% no custo total da obra”, diz Cristiane.

Veja a seguir a entrevista que as professoras do Pró-Acesso concederam ao Blog Construct sobre acessibilidade no Brasil:

As normas técnicas de acessibilidade no Brasil já estão sendo seguidas ou ainda existe uma grande lacuna entre o que está no papel e a prática?

Regina Cohen: A norma já devia estar sendo seguida há bastante tempo porque não é de hoje que possuímos um dos melhores referenciais técnicos da América Latina, equiparável aos dos países mais desenvolvidos. Entretanto, ainda existe grande desconhecimento por parte dos profissionais de projeto: arquitetos, urbanistas, engenheiros e desenhistas industriais, entre outros. Infelizmente, o discurso legal e normativo ainda está muito distante da prática para todas as pessoas.

Qual a punição para quem não cumpre as normas de acessibilidade na construção civil? Como a população pode cobrar que sejam seguidas?

Regina: Apesar de as normas não possuírem caráter coercitivo, temos o Decreto 5296 de 2004, que estabeleceu prazos e sanções para que a acessibilidade em todos os seus aspectos fosse contemplada nos projetos.

Temos o caso de uma entidade de defesa dos direitos das pessoas com deficiência que entrou na justiça no Rio de Janeiro. Por consequência, até hoje as mais de 1 mil construções municipais do Rio de Janeiro, prédios estaduais e as universidades federais (UFRJ, UFF, UFRRJ) estão inadimplentes com os valores que deveriam pagar por dia por não terem cumprido a lei.

O papel da sociedade e da população brasileira é fundamental. Primeiramente, é preciso haver uma mudança de cultura e mentalidade por parte das pessoas para não discriminarem ou criarem preconceitos ou estereótipos de “coitadinhos” ou “super-heróis”. Em segundo lugar, quando medidas de acessibilidade são adotadas, elas precisam ser respeitadas: não estacionar em vagas especiais de estacionamento ou em rampas de travessia e acesso às calçadas, por exemplo.

As normas de acessibilidade na construção civil são suficientes para garantir o acesso universal a locais públicos e compartilhados?

Cristiane Rose de S. Duarte: As normas sozinhas não dão conta de resolver todos os problemas de acessibilidade. Existem situações em que se precisa de muita criatividade e bom senso para a eliminação de certas barreiras. Os profissionais ainda estão muito mal preparados e, mesmo tentando seguir a norma, cometem verdadeiros absurdos de projeto por desconhecerem a diversidade de características das pessoas. Além das normas, precisamos de uma profunda mudança com a contribuição de toda a sociedade e muita vontade política.

Quais os benefícios para as construtoras que decidem seguir as normas de acessibilidade na construção civil para prédios privados? Os custos mais altos ainda são um obstáculo?

Cristiane: Já existem estudos mostrando que os custos não aumentam por causa do planejamento de prédios com acessibilidade. A estimativa é de que haja um acréscimo de apenas 1% no custo total da obra.

Por outro lado, deve-se pensar que pessoas com deficiência são consumidoras em potencial de imóveis. Ao deixá-las de lado, as construtoras e o mercado imobiliário perdem potenciais compradores.

Veja e-book do Sienge sobre acessibilidade na construção civil

Você acredita que as Paralimpíadas deixaram algum legado positivo para o Brasil no quesito acessibilidade?

Regina: Os Jogos Paralímpicos Rio 2016 serviram como catalisadores de esforços. Crianças e adultos ficaram curiosos, torceram, comemoraram as vitórias dos nossos atletas com deficiência e, no meu entender, adquiriram um novo olhar. Mas este é um processo contínuo de curto, médio e longo prazo.

Em termos de infraestrutura da cidade, ainda existe muita coisa a ser feita. A cidade deve ser pensada de uma forma mais ampla e possuir muitas rotas completamente acessíveis interconectando os diversos pontos de interesse. Todos os espaços devem ser acessíveis.

Este legado mais amplo não existe, mas acredito em um despertar para o futuro.

Fiquei muito feliz com a grande mudança de cultura da sociedade brasileira. Mas isso só poderá ser avaliado daqui a alguns anos, porque é um processo de longo prazo.

Acessibilidade nas Paralimpíadas: por dentro da Vila Olímpica e locais de competição

Como os conceitos de “sustentabilidade social” e “exclusão espacial” estão interligados com a acessibilidade?

Cristiane: Sustentabilidade social significa o cuidado com o meio ambiente e a responsabilidade na preservação da natureza, não esquecendo a diversidade humana. Além destes cuidados, devem ser pensados também o bem-estar de todos e a qualidade de vida das gerações futuras.

Com relação às pessoas com deficiência, não existe interconexão maior que entre estes conceitos e a acessibilidade. Cidades e construções inacessíveis são deficientes ao não permitirem o acolhimento e pertencimento de todos, gerando um processo perverso de exclusão espacial.

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